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    André Gattaz

    Jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de "A Guerra da Palestina" (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom

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    A opinião pública, Israel e Palestina

    Apesar da parcialidade da grande mídia, vem mudando a opinião pública mundial

    Ato com bandeiras da Palestina e de Israel na Universidade McGill, no Canadá (Foto: Peter McCabe/Reuters)

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    Nesta semana tive a oportunidade de folhear um dos principais jornais da mídia brasileira, que em manchete de quatro colunas e duas linhas relatava o ataque palestino a um posto na fronteira, deixando três soldados israelenses mortos e afastando a perspectiva de um cessar-fogo. A reportagem toda, acompanhada de mapa e foto do primeiro-ministro genocida, ocupa 83% da página, e em seu conteúdo algumas informações mereceriam mais a manchete do que a morte dos soldados – como o fato de que os palestinos estão sendo forçados a sobreviver com uma média de apenas 245 calorias por dia, menos do que 12% da ingestão diária recomendada, o que vem levando a uma das mais graves crises humanitárias do planeta. 

    Comentei com o dono do exemplar como seria se o mesmo destaque fosse dado a cada três palestinos mortos pelo exército israelense desde o dia 7 de outubro, e fiz uma conta rápida: com 34.789 palestinos mortos em 210 dias de ataques, o governo genocida de Israel vem matando 165 palestinos por dia, o que exigiria do nobre jornalão o uso de 55 manchetes de quatro colunas, e um total de 46 páginas do jornal – que aliás só tem 34 páginas. Também refleti sobre se é correto considerar que este ataque tornaria mais difícil o cessar-fogo, sendo que é sabido que o governo de Benjamin Netanyahu vem usando a guerra não apenas para completar o projeto original sionista (o controle de toda a Palestina, “do rio ao mar”), mas também com o objetivo de manter-se no poder, diante de uma série de escândalos e desafios políticos que vem enfrentando há anos. Em outro jornal, li que um dos projetos de cessar-fogo propõe a troca dos reféns israelenses pelos prisioneiros palestinos à proporção de 1 para 50, evidenciando a parcialidade de nossa imprensa, que considera “reféns” os israelenses capturados pelo Hamas e levados à Faixa de Gaza, mas considera “prisioneiros” os cidadãos palestinos capturados pelo exército israelense e levados a Israel, sendo mantidos presos por anos ou décadas, sem o devido processo legal (que de toda forma seria ilegal, pois não se tratam de cidadãos israelenses). E no principal canal de notícias estadunidense tive a oportunidade de ouvir, no mesmo programa, a entrevistas com uma familiar de um refém israelense, um ex-militar do exército israelense, e um professor judeu estadunidense, francamente sionista, numa cobertura abertamente parcial. 

    Apesar de todo esse aparato procurando justificar o injustificável, é alvissareira a constatação de que tem mudado a opinião pública mundial a respeito de Israel e da Palestina. Nos dias de hoje é muito difícil esconder o que acontece no mundo (apesar das tentativas da grande imprensa ocidental), devido às redes sociais e à presença cada vez maior e mais acessível de fontes de informação alternativas. Assim, começam a surgir os primeiros dissensos dentro do Império – de onde vem não apenas a autorização para que Israel possa desrespeitar a lei internacional e continuar seu processo de limpeza étnica da Palestina iniciado nos anos 1947-1948, mas principalmente o dinheiro e as armas que tornam o exército sionista o mais bem equipado da região. E nesse sentido as mobilizações estudantis têm sido o sinal mais evidente, lembrando o que aconteceu em outros momentos da história, quando a opinião pública nos Estados Unidos conseguiu levar a uma reversão das ações governamentais – como nos casos da luta pelos direitos civis nos EUA, iniciada nos anos 1940 e reforçada nos anos 1960 nas universidades; da Guerra do Vietnã, em que foi fundamental a mobilização antiguerra dos jovens estadunidenses, iniciada em meados da década de 1960 e intensificada em 1970, após a invasão do Camboja, quando os protestos espalharam-se por mais de 1300 campi; ou na luta contra o apartheid sul-africano, derrotado diante do grande movimento internacional de boicote, também iniciado em universidades estadunidenses na década de 1960.

    O primeiro resultado concreto da mobilização nas universidades dos Estados Unidos foi evidenciado nesta semana, quando o governo Biden suspendeu o envio de munições a Israel – certamente não preocupado em salvar vidas palestinas, mas em salvar seu mandato, cada vez mais contestado pela população jovem estadunidense. Afinal, não estava caindo bem o discurso de preocupação com a situação humanitária dos palestinos casado com a prática do envio dos armamentos mais letais ao Estado sionista. Não acredito que Biden cessará efetivamente o apoio a Israel, mas no restante do mundo torna-se cada vez mais evidente o isolamento israelense – como vimos nesta semana, com a Turquia interrompendo todo o comércio ou com a Colômbia rompendo as relações diplomáticas com o Estado genocida. Parece que cada vez menos gente é convencida pelo discurso de que Israel apenas “responde” ao terrorismo palestino, ficando evidente que se trata de um projeto colonialista e genocida – afinal, Israel não pretende apenas conquistar território, mas expulsar seus habitantes nativos, como mostra a história da fundação e expansão de Israel, que em diversos momentos conduziu a limpeza étnica da Palestina, desalojando a população nativa para implantação dos colonos sionistas, ainda que em desacordo da lei internacional e das resoluções aprovadas na ONU.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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